Nem sempre, a boa receita vem com o pulo do gato. Há aquele jeito especial de se preparar, o ponto exato, a manha guardada a sete chaves. E foram esses segredos a maior dor de cabeça e motivo de reconhecimento da empresária Maria Helena Jeske, de 42 anos, dona da Imperatriz Doces Finos, em Pelotas (RS).
Ela liderou um movimento na região que conseguiu registrar a marca Doces de Pelotas para os confeitos da cidade. O selo concedido pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) é semelhante ao do espumante produzido na região francesa de Champanhe, que dá nome à bebida. Isso significa que somente elas podem usar a marca para promover os quindins, camafeu de nozes, fatias de Braga, olhos de sogra e papos de anjo produzidos na região, promovendo o comércio e o turismo locais.
A iniciativa recebeu o reconhecimento do Sebrae, serviço de apoio a empresas, e Jeske recebeu o Prêmio Mulher de Negócios do Estado do Rio Grande do Sul.
Mas, para isso, foi preciso padronizar os produtos e convencer as concorrentes a abrir seus segredos. Atenta à importância das receitas para a preservação da memória da cidade, de colonização portuguesa, Maria Helena Jeske sempre buscou recuperar ingredientes e modos de preparo originais. “Mas percebia muita diferença entre as concorrentes. Estávamos perdendo a essência de como se faziam os doces”, diz.
Em 2006, ela decidiu organizar encontros para discutir o problema. Já nas primeiras reuniões, o caldo entornou. Nem todas as integrantes viam com bons olhos abrir para o grupo receitas centenárias, passadas de mãe para filha.
A empreendedora chamou para si a responsabilidade de uni-las e levou adiante o projeto de fundar a Associação dos Produtores de Doces de Pelotas. Rompida a resistência inicial, conseguiu, junto com outras 15 mulheres, criar a entidade, em 2008.
Haviam vencido a batalha, mas não a guerra. O próximo passo era garantir a qualidade dos doces feitos pela associação e impedir que fossem produzidos em outros locais os mesmos produtos, ditos de Pelotas, sem o devido respeito à tradição. “Fomos atrás de capacitação”, afirma Maria Helena Jeske.
Trabalho em equipe para resgatar a tradição
As doceiras de Pelotas tiveram de abolir subprodutos industrializados e desembolaram ainda mais os novelos da história para chegar às autênticas receitas portuguesas, totalmente artesanais. “É muito gratificante. Na cozinha, a impressão é de estarmos voltando ao passado”, diz.
Elas elaboraram o regulamento técnico e de rastreabilidade da produção. Todos os insumos e matérias primas são identificados, datados e há um controle de como foram usados e para quem foram vendidas as encomendas. "Cada uma praticava em sua fabriqueta e trazia para a associação o resultado. Aprendemos na tentativa e erro, em um trabalho muito colaborativo."
Até a infraestrutura das fábricas foi uniformizada. E junto à reformulação dos processos produtivos, vieram as ferramentas administrativas. Critérios de treinamento e seleção de mão de obra, controles financeiros – custos, fluxo de caixa, orçamentos – enfim, as técnicas de gestão, agora, fazem parte dos negócios.
O reconhecimento por tanto empenho não podia ser melhor. No fim do ano passado, a associação obteve o selo de IG (Indicação Geográfica) do Inpi. Maria Helena, ao olhar para trás, relembra como foi difícil vencer os desafios: “convenci todos a fazerem um investimento que, para mim, era o caminho certo, mas, se algo desse errado...”
Nesse percurso, ela adquiriu mais confiança e a maturidade de saber que há muito ainda a aprender. O filho, aos 22 anos, tornou-se confeiteiro-chefe de sua empresa e ela, além de indicada à presidência da associação, voltou aos bancos da escola, para cursar administração. “Tudo o que construí foi com os ensinamentos da faculdade da vida. Hoje, quero me capacitar sempre mais.”
Da cozinha para o empreendedorismo
A veia empreendedora de Maria Helena Jeske aflorou dos afazeres culinários, no lar. Os doces tradicionais feitos para o marido e os filhos tomaram lugar à mesa dos familiares. Com o boca-a-boca, foram parar na casa dos clientes.
Com muito esforço e economia, a pequena fábrica foi aberta, em 1997. Fornadas de pastéis de Santa Clara, quindins, camafeu de nozes, fatias de Braga, olhos de sogra e papos de anjo tinham, agora, um novo endereço.
Da formalização do negócio à fundação da entidade que reúne as doceiras de Pelotas, foi percorrido um caminho longo, de muita dedicação. “No início, eu mesma tinha dúvidas se conseguiríamos mudar o foco. Tivemos de ter visão, porque passamos de concorrentes a parceiras”, afirma
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